O ex-presidente Jair Bolsonaro deu uma entrevista. Sim, de dentro da UTI do Hospital DF Star, em Brasília. O leito virou estúdio, com iluminação, cabos, câmeras, cinegrafistas, repórter — tudo montado para que Bolsonaro pudesse se pronunciar. A entrevista foi concedida ao SBT e foi ao ar ontem à noite.
Mesmo proibido pelos médicos de receber visitas e sem previsão de alta após uma extensa cirurgia para reconstrução intestinal, Bolsonaro decidiu falar. Montou o circo a caráter — e falou. Comentou sobre sua condição de saúde, atacou o STF, defendeu anistia e lamentou a morte do Papa.
A excepcionalidade de uma entrevista dentro de uma UTI sugeriria que o paciente tinha algo extremamente relevante a dizer ao país. No entanto, Bolsonaro repetiu os mesmos mantras de sempre, dizendo o que já dissera inúmeras vezes em outras ocasiões.
Ali estava ele, no leito, com eletrodos colados ao corpo, cânula de oxigênio no nariz e acesso por sonda — tudo milimetricamente exposto para gerar comoção pública.
Desde que passou mal no Rio Grande do Norte, Bolsonaro tem documentado passo a passo sua internação. Vídeos diários no hospital, desde o dia seguinte à cirurgia que durou doze horas e reconstruiu praticamente todo o intestino, mostram suas caminhadas, sessões de fisioterapia e momentos no quarto.
Só consigo concluir que Bolsonaro tenta transformar o hospital em um novo cercadinho. Busca a piedade popular, quer despertar empatia pelo sofrimento, provocar compaixão. A maneira como sua condição médica está sendo usada deixa evidente esse objetivo.
Por fim, destaco uma fala inédita — ou quase. Questionado sobre a morte do Papa Francisco, Bolsonaro respondeu: “Lamento sua morte.” Todos sabem que ele nunca foi simpático ao Papa, a quem criticou diversas vezes, e que seus apoiadores chamavam de “papa comunista”. Ainda assim, o lamento, se não foi piedoso, ao menos foi respeitoso.
Mas então, ele completou: “Assim como lamento a morte de todas as pessoas. De todas não… de algumas.” Pronto. Voltou a ser o Bolsonaro de sempre.