Após ler, ver e ouvir centenas de notícias e interpretações sobre o gesto de Jair Bolsonaro — que tentou romper a tornozeleira eletrônica e, por isso, teve sua prisão preventiva decretada — cheguei a algumas conclusões.
Não se tratou de tentativa de fuga, nem de surto. Foi uma ação calculada para causar impacto junto ao bolsonarismo e, principalmente, à bancada de Direita e Centro no Congresso, visando forçar a análise do PL da Anistia.
Por que não foi tentativa de fuga?
Porque nada do que ele fez faz sentido nesse contexto. Uma eventual fuga só poderia levá-lo até alguma embaixada para buscar refúgio. Sua casa e o setor de embaixadas ficam a 10 a 15 minutos de carro. Ao romper a tornozeleira, era óbvio que o alerta dispararia. E se essa fosse mesmo a intenção, não seria necessário usar um ferro de solda: bastaria retirar a bateria, deixá-la descarregar ou ultrapassar os limites da residência. Em qualquer dessas situações, o alarme também seria acionado. Ainda assim, seria difícil para a polícia interceptá-lo antes que chegasse a uma embaixada.
Por que não foi surto psicótico?
Porque Bolsonaro não possui histórico desse tipo de episódio, e nenhum de seus médicos, familiares ou visitantes informou que ele estivesse à beira de um colapso emocional. O vídeo gravado em sua casa pela equipe técnica da Polícia Federal mostra Bolsonaro conversando normalmente com os agentes e justificando o ato como “curiosidade”. Na prisão e nos momentos seguintes, não demonstrou desorientação nem alegou surto. Além disso, o rompimento da tornozeleira é coerente com suas falas e atitudes anteriores sobre medidas extremas para evitar a prisão, como ter se refugiado por dias em uma embaixada, ter deixado o país na véspera do fim do mandato ou ter redigido uma carta de pedido de asilo na Argentina.
Por que foi uma ação calculada?
A família Bolsonaro depositou suas últimas esperanças na possibilidade de o Congresso votar um projeto de anistia. Um pedido de urgência chegou a ser aprovado, indicando que a proposta poderia avançar. Depois, porém, o tema perdeu força e foi substituído por uma alternativa de reduzir a pena por meio de uma nova dosimetria.
Às vésperas do início do cumprimento da pena e vendo a anistia cair no esquecimento, Bolsonaro planejou um gesto que gerasse impacto entre seus aliados e despertasse mobilização na militância. Ele sabia que seria preso por isso. E funcionou: nas últimas 24 horas, deputados bolsonaristas se movimentam na Câmara para tentar votar o projeto ainda esta semana.
A estratégia articulada é levar ao plenário a proposta de nova dosimetria, mas, no momento da votação, apresentar um destaque substituindo-a pela anistia ampla. Isso levaria a uma nova votação. A bancada bolsonarista acredita ter votos suficientes para aprovar a anistia e, assim, anular a pena de 27 anos do ex-presidente.
Esse foi o verdadeiro motivo de Bolsonaro ter colocado um ferro quente na tornozeleira: um gesto calculado, criado para produzir o impacto necessário e reacender sua última esperança — a anistia.
Foi a última cartada.






