PEC do fim da reeleição: solução para o Executivo, salvo-conduto para o Congresso

Por Jessé Rebouças

Antes de abordar o conteúdo da PEC 12/2002 — aprovada nesta quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e que propõe o fim da reeleição para cargos do Executivo —, é necessário um breve resgate histórico para entender suas implicações políticas.

No Brasil republicano, as Constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988, em suas redações originais, proibiam a reeleição de prefeitos, governadores e presidentes da República para o mesmo cargo na eleição subsequente. A exceção sempre foram os cargos legislativos: vereadores, deputados e senadores.

Existe uma lógica clara por trás dessa diferenciação: os chefes do Executivo administram diretamente o erário público, e é desproporcional disputar uma eleição contra quem detém o controle da máquina pública, em qualquer esfera — municipal, estadual ou federal.

Importante esclarecer: não estamos aqui tratando de temas como corrupção ou desvio de verba, embora existam e não os ignoremos. O ponto é outro: se o chefe do Executivo “trabalhar direitinho”, a população tende a reconduzi-lo ao cargo, simplesmente porque o ser humano prefere o conhecido ao incerto — mesmo que o novo prometa mais.

Já os parlamentares nunca concentraram, historicamente, estruturas robustas de entrega direta de recursos à população. Suas funções típicas — legislar e fiscalizar — sempre os mantiveram distantes do uso direto da máquina pública.

Isso mudou em 1997, com a famosa “emenda da reeleição” (EC n° 16/1997), proposta por Mendonça Filho, então deputado federal pelo MDB, hoje no União Brasil. Foi um ponto de inflexão: violou a coerência constitucional brasileira, construída sob a premissa de que o Executivo não deveria ter reeleição.

Tanto era assim que existiam (e existem) restrições severas: proibição de candidatura de cônjuges, parentes e afins do titular do Executivo — mecanismo de proteção contra o uso da máquina pública para perpetuação de poder. Mas essa proteção perde o sentido se o próprio titular pode se reeleger.

O que é mais grave: a candidatura de um parente ou do próprio chefe do Executivo no cargo?

A PEC 12/2002 vem, portanto, tentar corrigir essa distorção. Ela propõe:

  1. Fim da reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República.
  2. Mandatos de cinco anos para todos os cargos (Executivo e Legislativo).
  3. Unificação do calendário eleitoral.

Mas o problema é que a proposta deixa de fora os parlamentares — justamente aqueles que, na última década, mais concentraram poder e orçamento, graças às emendas impositivas e ao orçamento secreto.

Desde a EC n° 86/2015, que obrigou a execução das emendas parlamentares, passando pela EC n° 95/2016 (teto de gastos) e pela EC n° 100/2019, o Congresso Nacional passou a deter recursos bilionários e poder orçamentário sem precedentes, maior, inclusive, do que muitos prefeitos ou governadores.

Hoje, prefeitos fazem fila em gabinetes de deputados e senadores em Brasília, e não mais nos ministérios. O eixo do poder migrou — do Palácio do Planalto para o Congresso Nacional.

Isso cria um risco sistêmico: a formação de uma casta política com acesso contínuo a recursos, impossível de ser derrotada nas urnas. Deputados e senadores, “sabendo trabalhar direitinho”, mantêm seus mandatos indefinidamente, enquanto chefes do Executivo se tornam reféns dessa engrenagem.

É a equação perfeita para o cárcere institucional.

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