Por Jessé Rebouças
O grande maestro Tom Jobim, com argúcia e irreverência, dizia que “o Brasil não é para principiantes”. O mantra cunhado por Tom, que sintetiza as singularidades da cultura nacional diante das dificuldades objetivas de uma sociedade estruturalmente desigual, serve também para descrever as idiossincrasias da política brasileira — um terreno onde contradições e contemporizações são a regra, não a exceção.
Em solo pátrio, mesmo políticas públicas corretas — como a redução da desigualdade por meio de programas sociais compensatórios — são frequentemente corrompidas pela lógica eleitoral. A finalidade original se perde, cedendo lugar ao uso escuso da máquina pública como ferramenta de compra de votos e também incentiva na população práticas que desestruturam o mercado formal de trabalho.
Aliás, o governo do populista Jair Bolsonaro fez rigorosamente a mesma coisa em 2022 — o que demonstra, de forma cristalina, que o problema não reside apenas no PT, mas no populismo irresponsável que contamina todas as esferas do poder. Trata-se de um mal transversal, que se infiltra em diferentes partidos, ideologias e discursos.
Como explicar isso a um marciano ou estrangeiro? Impossível. Só quem atravessa o caos institucional brasileiro compreende o absurdo que se disfarça de normalidade — uma tragicomédia onde o roteiro muda, mas os vícios persistem.
Pois bem: o governo Lula 3 talvez seja o exemplo mais didático dessa lógica perversa. Sob o manto de um discurso populista, demagógico e desconectado da realidade, a atual gestão promoveu o aumento do IOF — um imposto de natureza regulatória — sob o argumento superficial de que a medida atingiria apenas “o andar de cima”, nas palavras sempre estridentes de Lindbergh Farias (PT-RJ).
Ocorre que o IOF incide diretamente sobre operações de crédito, câmbio, seguros e investimentos em títulos e valores mobiliários. Em outras palavras: se você usa cartão de crédito, contrata empréstimos, entra no cheque especial, firma apólices de seguro, negocia moeda estrangeira ou movimenta investimentos, você paga IOF — e caro.
A tentativa de convencer a população de que o aumento penaliza apenas os mais ricos é não só um insulto à inteligência alheia, mas um gesto de desonestidade fiscal. É aplicar verniz social em uma medida que, na prática, atinge a classe média endividada e os pequenos empreendedores — justamente os que mais sofrem com o custo do crédito.
Mais grave ainda: estudos projetam que esse aumento pode gerar efeito colateral direto sobre a já estratosférica taxa SELIC, podendo empurrá-la para patamares de até 18% ao ano – o que comprometeria ainda mais a já frágil política monetária e também revelaria a total incongruência entre as diretrizes adotadas pelo BC de Lula e o governo. Coisa de maluco!
Na prática, o que se vê é uma manobra arrecadatória travestida de justiça tributária. O governo recorre ao IOF justamente por ele ser um tributo extrafiscal, sem as amarras constitucionais que limitam outros impostos. Assim, dribla restrições legais para fazer caixa fácil, com ampla discricionariedade, e sob a cortina de fumaça de uma narrativa “popular”.
O aumento visa turbinar o caixa: de um lado, para bancar os pacotes de bondades em pleno ciclo pré-eleitoral; de outro, para manter a fachada de responsabilidade diante do novo arcabouço fiscal — criado pelo próprio governo, mas já mas já corroído pelas contradições internas.
A verdade é que a política brasileira deixou de produzir seus milagres — e passou a gerar, com notável eficiência, suas indignidades. Enquanto agendas conectadas com a realidade nacional e temas estratégicos ao desenvolvimento do país são sumariamente desprezados, o Congresso pauta-se por projetos inúteis e corporativistas.
Como advertia Ulysses Guimarães: “Se você acha este Congresso ruim, espere o próximo.” E, parafraseando o velho timoneiro, talvez caiba agora o alerta complementar: “Se você acha este governo ruim, espere o próximo”. Porque, no Brasil, o fundo do poço tem porão — e o porão, regra geral, é financiado com o seu IOF.